Quando Gilberto Braga escreveu o roteiro original de Vale Tudo, ele previu um desfecho que jamais chegou às telas.
A icônica morte de Odete Roitman acabou se tornando um dos maiores mistérios da teledramaturgia brasileira, mas a trama que o autor imaginou era bem diferente. Na sinopse de 1987, a vilã, interpretada por Beatriz Segall na versão de 1988‑1989, seria assassinada por outra pessoa, enquanto a verdadeira virada ocorreria nos olhos de Raquel, a mãe que tudo sacrificaria pela filha.
Exibida na TV Globo entre agosto de 1988 e janeiro de 1989, Vale Tudo marcou a época ao questionar a moralidade no Brasil pós‑ditadura. O drama combinava ambição, corrupção e relações familiares em um cenário que lembrava a vida real dos telespectadores.
Ao lado de Regina Duarte, que vivia a íntegra da personagem Raquel, Glória Pires interpretava a filha rebelde Maria de Fátima. O dinamismo entre mãe e filha se tornaria o ponto de partida para o final que Braga aspirava.
Segundo matérias do jornal O Dia, no rascunho de Braga, Maria de Fátima mataria Marco Aurélio – o empresário corrupto vivido por Reginaldo Faria. O crime seria motivado por um chantagem que expunha a própria família.
Ao descobrir o assassinato, Raquel entregaria-se à polícia, assumindo a culpa para proteger a filha. "Ela iria sacrificar tudo por amor", lembrava um dos assistentes de produção da época. O plano criaria um clímax emocional, mostrando que, apesar das brigas, o vínculo materno permanecia intacto.
Quando a novela chegou ao fim, a emissora decidiu estender a trama até o início de janeiro de 1989. O motivo? A necessidade de ‘arrastar’ a audiência e garantir mais itens publicitários. Assim, a morte de Odete Roitman foi inserida como um mistério onde todos os personagens – de Marco Aurélio a César (interpretado por Cauã Reymond) e até mesmo a própria Maria de Fátima – tornaram‑se suspeitos.
No remake atual, exibido nas 18h da Globo, a trama foi adaptada para o contexto contemporâneo. No capítulo de 6 de outubro de 2025, a vilã – agora interpretada por Débora Bloch – é assassinada em seu quarto. Raquel, desta vez vivida por Taís Araujo, confessa ao marido Ivan (Renato Góes) o temor de que sua filha possa se vingar.
Os telespectadores de 1988 ficaram divididos: alguns lamentaram a perda do sacrifício materno, enquanto outros celebraram o suspense criado pelo assassinato de Odete. "Foi chocante, mas também gerou muita discussão sobre justiça e vingança", recorda um crítico de TV que acompanhou a produção.
Especialistas em roteiro apontam que a troca do final trouxe "um ganho de rating imediato, porém sacrificou a profundidade temática". Para a nova edição, porém, o mistério serve como gancho para prolongar a temporada, algo que se mostrou eficaz nas avaliações de audiência de outubro de 2025.
Ao trocar um drama familiar por um thriller de assassinato, a Globo criou um dos momentos mais comentados da história da TV brasileira. A escolha influenciou outras novelas que passaram a priorizar “cliffhangers” ao final de suas temporadas.
Além disso, o que poderia ter sido um exemplo clássico de redenção materna ficou substituído por um enigma que ainda reverbera nas redes sociais. Até hoje, fãs ainda se perguntam: "E se Raquel realmente tivesse se entregado?".
A emissora precisou estender a novela para manter a audiência até o fim de janeiro de 1989. Substituir o sacrifício de Raquel por um assassinato permitiu criar novos capítulos de suspense, algo mais atrativo para o público da época.
Na versão original, Raquel teria assumido a culpa por um crime cometido pela filha, sacrificando sua liberdade. No remake, o foco está na identidade do assassino de Odete, preservando o mistério e envolvendo personagens como Ivan e César.
As redes sociais explodiram com teorias sobre o culpado. Enquanto alguns elogiaram a manutenção do suspense clássico, outros lamentaram a perda de um final mais emocional e familiar.
O remake contou com a equipe de roteiristas liderada por Aguinaldo Silva, que adaptou a história para o contexto atual, mantendo referências ao texto original de Gilberto Braga.
O assassinato da vilã tornou‑se símbolo de suspense na teledramaturgia brasileira, sendo frequentemente citado como um dos momentos mais marcantes da TV, influenciando gerações de autores e espectadores.
Luciano Hejlesen
É tremendamente doloroso assistir a uma obra-prima ser diluída por decisões comerciais, como se a própria alma da narrativa fosse vendida no leilão da audiência 📺💔. O sacrifício de Raquel poderia ter sido o ápice da tragédia familiar, porém o algoritmo da Globo preferiu o sensacionalismo, revelando uma patologia institucional que privilegia o pico de rating sobre a integridade artística. Evidentemente, tal escolha demonstra o declínio de uma era onde a televisão buscava refletir o Brasil, transformando‑se agora em mero entretenimento de massa, desprovido de profundidade moral.