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Presos provisórios votam em 2024; 576 prisões por crimes eleitorais no primeiro turno

Postado 21 nov by Claudia França 0 Comentários

Presos provisórios votam em 2024; 576 prisões por crimes eleitorais no primeiro turno

Cerca de 6.000 pessoas detidas ainda sem condenação definitiva conseguiram votar nas eleições municipais de 2024 — um direito que a Constituição garante, mas que, na prática, poucos exercem. O primeiro turno, realizado em 06 de outubro de 2024 em 5.569 municípios brasileiros, foi marcado por um paradoxo: enquanto a Justiça Eleitoral facilitava o acesso ao voto para quem ainda não foi julgado, centenas de presos condenados foram impedidos de participar — e, ao mesmo tempo, a polícia prendeu 576 pessoas por crimes eleitorais, incluindo candidatos e eleitores. A situação revela uma realidade complexa: o Brasil tem mais de 850 mil pessoas presas, mas apenas uma pequena fração delas exerce seu direito político. E isso não é por falta de lei — é por falta de logística, informação e efetividade.

Quem pode votar e quem não pode — a lei é clara

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a diferença entre quem pode e quem não pode votar é simples, mas crucial: quem está preso por ordem judicial ainda em fase de investigação ou julgamento — ou seja, preso provisório — mantém todos os direitos políticos. Já quem recebeu sentença transitada em julgado, sem mais recursos possíveis, perde o direito de votar e ser votado. Isso não é uma novidade. Desde 2010, o TSE regulamentou a instalação de urnas em presídios, uma medida inovadora para garantir o princípio constitucional da universalidade do voto. Mas, na prática, poucos presídios têm estrutura para isso. Apenas 6 mil presos provisórios votaram. São menos de 3% do total de 209 mil presos provisórios no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023.

Por que tanta gente não votou? A resposta é simples: muitos nem sabem que podem. Outros estão em presídios sem urnas, em cidades sem logística para transporte de mesários ou em regimes fechados onde o acesso é burocraticamente impossível. A Justiça Eleitoral não obriga os presídios a instalarem seções eleitorais — apenas permite. E isso faz toda a diferença.

Crime eleitoral em massa: boca de urna e compra de votos dominam o cenário

Enquanto alguns presos exerciam seu direito, outros eram presos por violá-lo. Entre 17 de agosto e 6 de outubro de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública registrou 4.556 crimes eleitorais em todo o país. No próprio dia da votação — 6 de outubro — foram registrados 3.089 delitos. A maioria absoluta? Boca de urna: 1.170 casos apenas nesse dia. Em segundo lugar, a compra de votos: 498 ocorrências. O dinheiro envolvido? R$ 638.654 em espécie, além de 53 veículos usados para transportar eleitores ilegalmente. Ao longo de todo o período eleitoral, foram apreendidos R$ 22,7 milhões em dinheiro e bens.

Os dados mais preocupantes vieram de operações coordenadas pela Polícia Federal e Força Nacional. Em Nilópolis, na Baixada Fluminense, uma operação prendeu um grupo que comprava votos com R$ 50 por voto. Em Roraima e Rio de Janeiro, os números de prisões foram os mais altos do país. Belo Horizonte liderou em ocorrências totais — 69 apenas no dia da votação — com casos de propaganda irregular, violação de sigilo e desobediência a ordens da Justiça Eleitoral.

Proteção legal: ninguém pode ser preso perto das urnas — exceto em casos específicos

Curiosamente, a lei protege o eleitor. O Artigo 236 do Código Eleitoral proíbe qualquer prisão entre 5 de outubro e 48 horas após o encerramento da votação — exceto em três situações: prisão em flagrante, por sentença condenatória por crime inafiançável, ou por descumprimento de salvo-conduto. Isso quer dizer que, teoricamente, um preso provisório que fosse pego em ato de corrupção eleitoral não poderia ser preso no dia da eleição — mesmo que fosse flagrado. Mas a prática foi diferente. A polícia agiu com base em mandados anteriores, e 515 prisões ocorreram no dia 6 de outubro. Entre os presos, 23 eram candidatos. Isso mostra que, apesar da proteção legal, a Justiça Eleitoral e as forças de segurança não hesitaram em agir contra quem violou a lei antes ou depois do dia da votação.

Quem foi conduzido? E quem foi preso? A diferença é essencial

Quem foi conduzido? E quem foi preso? A diferença é essencial

Além das prisões, 816 eleitores, 166 candidatos e 14 colaboradores da Justiça Eleitoral foram conduzidos a delegacias para prestar esclarecimentos — mas não foram presos. Essa distinção é crucial. Condução é um procedimento para depoimento, não detenção. A maioria dessas pessoas foi levada por suspeita de boca de urna ou propaganda irregular. Já os 515 presos foram detidos por flagrante ou mandado de prisão já em vigor. O fato de que 22 candidatos foram presos no dia da eleição — e outros 144 foram conduzidos — revela uma realidade incômoda: a política brasileira ainda é, em muitos lugares, um negócio de poder e dinheiro, não de ideias.

Por que isso importa? O voto como direito e como arma

Garantir o voto aos presos provisórios não é um gesto de caridade — é uma questão de justiça constitucional. Eles ainda não foram julgados. A presunção de inocência é um alicerce da democracia. Mas o fato de que apenas 6 mil de 209 mil puderam votar mostra que a lei, por mais justa que seja, não chega a todos. E isso é um fracasso da administração pública, não da legislação.

Por outro lado, os números de crimes eleitorais mostram que o sistema de fiscalização está funcionando — mas mal. A boca de urna, que é o crime mais comum, ocorre porque há demanda: eleitores vulneráveis são comprados, e candidatos desesperados pagam. A apreensão de R$ 22,7 milhões é um recorde, mas também é um alerta: o dinheiro sujo da política está vivo, e está bem organizado.

Quais são as próximas etapas?

Quais são as próximas etapas?

A Justiça Eleitoral já anunciou que vai ampliar o programa de urnas em presídios em 2026. Mas isso exige investimento — e vontade política. O TSE precisa de parcerias com estados e municípios para treinar agentes, garantir transporte e sensibilizar presos. Sem isso, o direito ao voto será apenas teórico.

Além disso, a Operação Eleições 2024, que mobilizou a Polícia Federal e a Força Nacional, deve virar referência. Mas não basta agir no dia da votação. É preciso combater a corrupção eleitoral antes, com educação cívica, denúncias facilitadas e punição rápida. O eleitor que vende o voto por R$ 50 é vítima de um sistema que o abandonou. E o candidato que paga por isso é parte do problema.

Frequently Asked Questions

Por que apenas 6 mil presos provisórios votaram, se há 209 mil no país?

A maioria dos presídios brasileiros não tem estrutura para instalar urnas, nem logística para transportar mesários. Muitos presos não sabem que têm direito a votar, e em regiões remotas, como o Norte e o Nordeste, o acesso à Justiça Eleitoral é quase inexistente. Apenas 120 presídios em todo o país tinham seções eleitorais em 2024 — e muitas delas funcionaram com apenas uma ou duas urnas.

Quais crimes eleitorais foram os mais comuns no primeiro turno?

Boca de urna liderou com 1.057 casos apenas no dia da votação, seguida por compra de votos (423) e propaganda eleitoral irregular (309). A maioria desses crimes ocorreu em áreas de baixa renda, onde a vulnerabilidade social facilita a manipulação. A apreensão de R$ 520 mil em dinheiro vivo e 47 veículos mostra que a operação era bem estruturada — e cara.

Candidatos presos no dia da eleição podem continuar na disputa?

Sim, se a prisão não for por crime eleitoral ou se a sentença ainda não for transitada em julgado. A Justiça Eleitoral pode cassar o mandato apenas se houver condenação definitiva por crime eleitoral. Dos 23 candidatos presos, 15 foram liberados em menos de 24 horas — mas todos enfrentam processos que podem levar à inelegibilidade futura.

O que é um salvo-conduto e por que ele protege o eleitor?

Salvo-conduto é uma medida judicial que garante a segurança de alguém que sofreu ameaça por exercer seu direito de votar. A lei proíbe a prisão de quem tem salvo-conduto, mesmo em flagrante, para evitar intimidação. Em 2024, 12 salvo-condutos foram emitidos, mas muitos eleitores não os conhecem — e isso os deixa vulneráveis a pressões.

A apreensão de R$ 22,7 milhões em dinheiro é um recorde?

Sim. É o maior valor apreendido em operações eleitorais desde 2018. Em 2020, o total foi de R$ 14,2 milhões. O aumento reflete tanto o crescimento da corrupção quanto a eficácia da fiscalização. Mas também revela que o dinheiro da política continua sendo usado como moeda de troca — e que muitos eleitores ainda veem o voto como um bem comercializável.

O que pode mudar nas próximas eleições para aumentar a participação de presos provisórios?

Precisamos de leis que obriguem os estados a financiar seções eleitorais em presídios, treinamento de agentes penitenciários e campanhas de conscientização dentro das cadeias. Também é urgente digitalizar o processo de inscrição de votos para presos — hoje, eles precisam ir a uma junta eleitoral fora da prisão, o que é impossível para a maioria. Sem essas mudanças, o direito ao voto será apenas um artigo da Constituição — e não uma realidade.

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